Pelas ruas da cidade velha
Em meio aos bêbados
E às bandeiras de muitos navios
Pelo cais sombrio
Navego a tristeza
Em meu coração marinheiro.
Pelas ruas da cidade velha
Aporto mais um suspiro
Na maré que se avizinha
Em teus olhos mareados
Castigados de despedidas
II.
Os ventos namoram o mês de maio
O frio e solitário maio
Nas ruas esquecidas de Itajaí
[os ventos] Tão frios quanto os olhares
Mas não tão frios quanto os homens
Que descem a rua do porto
E dali seguem para as linhas de fora
E um dia voltam
Ainda mais frios e tristes
O vento não é tão cortante quanto estes corações.
III.
Já soou o apito do navio
Falta pouco para a tua mão
Acenar mais uma despedida
Eu sei
O teu coração é só chegada
Mas os dias são só partida
Já soou o apito
Triste canção de quem se vai
E falta muito pouco
Para zarpar meus olhos do teu olhar cinzento
É a teimosia deste mar
Que insiste em levar a gente
A cada soar de apito
Eu vou
E que esta canção um dia
Me devolva
Para teu porto amigo.
IV.
Vou seguir viagem
Vou partir agora
Vou tomar meu barco
Navegar os mares
Já é tempo
De ganhar o mundo
Já sou quase grande
Já sou quase eu
Vou partir agora
Vou seguir viagem
Vou deixar o adeus
Triste e derradeiro
Do meu canto marinheiro
E o desejo de voltar ao teu porto
Quando soprarem os primeiros ventos do meu outono.
V.
Anoiteço em teus braços
E amanheço tua tristeza
Na solidão de minha ausência
Em cada porto deixo uma dor
Toda noite me apaixono
Para fugir na manhã seguinte
Triste essa vida de porto em porto
Não tem mar que chegue
Para o meu coração-navio
VI.
Estou de volta
E eu sei que me esperas no cais
Naquele mesmo de onde parti
Tempos atrás
Fui como menino
Agora volto como homem
Conheci cidades
Aprendi línguas
Sou comunista agora
E digo poesias
Estou de volta
Mas não sou mais o mesmo
Eu sei que me esperas no cais
Mas por mais que a gente volte
A vida não volta mais.
VII.
Não sabes
Amor meu
Dos mares que cruzei
Dos portos que zarpei
Dos rios que naveguei
Não sabes da solidão
E da agonia
Que foi fazer isso sem você
Não sabes
Da frieza dos mares
Da distância dos portos
E deste rio interminável que se chama vida
VIII.
O outono chega em Itajaí
Na brisa gelada e cortante
No rio espelhado de luz
No ritmo célere e breve
Dos carros e homens e peixes
Que passam pelo mercado municipal
O outono chega
Na manhã alegre
Na tarde ensolarada
Na noite fria
O outono chega um dia
IX.
Um dia depois
Daquele dia em que você se foi
Calaram os apitos
Guardaram as bandeiras
As ondas amansaram
O vai e vem das marés
Um dia depois
Mais nenhum apito
Nenhum porto a conhecer
As gaivotas serenaram seu vôo
A brisa ficou mais fina e calma
Nenhum grito
Nenhum choro
O que ficou foi um mar de lembranças
X.
Vou escrever teu nome
Em todos portos
Vou gritar teu nome
A todos os ventos
Vou colocar teu nome
Em minhas orações
Vou aprender teu nome
Em outras línguas
Vou cantar teu nome
Em minhas canções do mar
Vou dizer teu nome
Pra não esquecer
A cada atracar
A cada zarpar
A cada amanhecer
XI.
E se eu jogar uma garrafa
No imenso e triste mar
E se o vento mensageiro
Neste sol de fevereiro
O meu beijo te levar
E se meio de repente
Eu encontro os teus olhos
Ansiosos em outro lar
Ainda sonharás comigo
Se eu busco um abrigo
Bem longe
Em outro lugar
XII.
Nasci num dia de vento
Quarta-feira da paixão
Na rua das sete casas
Me fui pro mundo
Num oito de outubro
Aprendi a ter o gosto do mar
Sempre na boca
E saborear o gosto da saudade
Todo dia e meio
Deixei uma paixão
Em cada praia de Itajaí
E em cada beijo a incerteza
De um retorno
Ainda que distante
XIII.
Não havia vida além da ribeira
Foi assim para meu tio
Foi assim para meu pai
Mas não foi assim pro barco
Que me levou num abraço
Pro mar das linhas de fora
Como essa ribeira vai longe
Dos olhos de que fica à margem
Calafetes, carpinteiros
Como navegam
Sem sair das margens do Itajaí-açú
Que mar estranho é este
O pensamento dos homens
Sem fim
Sem começo
Às vezes acho que esqueço
Que existe porto no mundo
E penso que é só mar
O que tenho a conhecer
XIV.
Na Itajaí dos meus pensamentos
Volto a meninice
Correndo por entre as toras
Dos depósitos de madeira
No bairro São João
Todo dia esperava o apito do trem
Goiaba e araçá nos fundos de casa
E dali à Rua Brusque
à Uruguai e ao mar
na prainha do rio
A Itajaí dos meus pensamentos
é uma Itajaí menina
XV.
Itajaí é mais do que uma cidade fria
De gente fria e corações frios
Itajaí é rio
Mar e montanha
Praia, porto e navios
Itajaí é a pressa nos passos daqueles
Que cruzam o mercado do peixe
A pressa em não chegar
E se perder na cerração
Que se dissolve na manhã
Cidade em fuga
Itajaí escapa por entre os dedos
Itajaí se perde de mim
Nas areias de Cabeçudas
Nos bares do cais do porto
XVI.
A Rua da Praia
Se desfaz em tardes
E se vai com a brisa
Deste abril silente
A Rua da Praia
Dobra a esquina
Nalgum lugar
Dentro de mim
A Rua da Praia
Onde quebra o mar
Onde fica o coração da gente
Onde fica onda
Onda
Na mente
XVII.
Nas margens do Itajaí-açú
Passeio entre os fantasmas
Dos meus versos
Na triste manhã chuvosa
Que faz do céu e do mar
Um só campo de cinza
Em meu olhar salgado
Por mais uma marejada
Na manhã cinzenta e triste
Eu subo a rua do porto
Procuro o porto de minha infância
De uma alegria remota
Distante de meus versos
Apagados pela chuva fria
Que cai sobre o Itajaí-açú.
XVII.
Cabeçudas, Atalaia, Geremias
Em que praia te banhas
Enquanto banho meus olhos
Na tristeza de mais um dia distante de casa
Em que janela esperas
Enquanto espero o próximo vento
Me empurrar para o sul do mundo
Contando os paralelos pra chegar um dia
Em que canto de bar despejas
Teu sorriso distante
Teu olhar reservado
Tua boca calada
De angústia e saudade
Enquanto namoro as ondas
Deste mar desgarrado
De tristeza e lágrimas